Sunday, July 30, 2006

Fragmentos.

Fragmentos de eternidade.
(Ricardo Gondim)

Depois de penar bastante com os conceitos de tempo e eternidade, Jorge Luis Borges concluiu: “A vida é pobre demais para não ser também imortal”. Lindo! Magnífico!

De tão horrorosamente frágil, a vida é, simultaneamente, fugaz e eterna. O tempo não cessa de desintegrá-la da mesma maneira que a constrói. A cada renascimento morremos, para cada ontem pétreo, um amanhã diáfano. Volto a Borges: “O tempo, se podemos intuir essa identidade, é uma ilusão: a indiferenciação e a inseparabilidade de um momento de seu aparente ontem e de outro de seu aparente hoje bastam para desintegrá-lo”.

No tempo, há o decorrido. Os rastos que ficaram nas estradas e charcos que percorremos, valem muito. Minha identidade depende de saber-me reconhecer diante do espelho. Caso não conseguisse dizer o nome de quem vejo lá dentro, ou de situar-me na história, perambularia pelo futuro, e para sempre na eternidade, acreditando ser o que nunca fui. Minha memória, só ela, me livra da loucura. Não me iludo com a possibilidade de amar Josefina ou de um triunfar em Waterloo por recordar-me dos areais morenos da pobre Gentilândia cearense, onde me criei. Sim, verdade, o passado jaz insepulto. Ele se recusa desaparecer. Assim, há um outro eu que me espreita coberto de poeira; ele me ronda, persegue, alenta, premia e pune. Sei que piso mais forte com a canhota; que exalo um cheiro que impregna o guarda-roupa; que falo com um timbre impossível de imitar; contudo, não passo de um ponto efêmero na retina das pessoas. Tornei-me um esboço mal acabado do que já fui.

Também caminho para a eternidade, onde vive o Mistério Absoluto. Viajo para um porvir insubstancial, composto da não-matéria, onde tudo é penetrável, tudo espírito. Viverei na dimensão em que luz e trevas se confundem, o silêncio do Absoluto ressoa gloriosamente pelos cantos remotos de um universo parelelo ao cosmo. Fragmento-me à medida que o rio me navega, mas não me extinguirei, desaguarei na foz do Grande Oceano e conhecerei o imarcescível, tocarei o intangível.

A esfinge Tebana perguntou a Édipo qual era o animal que tem quatro pés ao amanhecer, dois ao meio-dia e três à tarde. A resposta, tão óbvia, ficara sem resposta por séculos até que o herói respondeu: “O homem”. Em um único dia, da manhã à tarde, engatinhamos e precisamos de bengala como terceira perna. Somos semelhança divina e ao mesmo tempo uma cistus ladanifer, florzinha enamorada do vento da alvorada que se despela à tarde. Kronos o deus implacável que, à semelhança dos leões, come seus próprios filhos, continua esfomeado. Nascemos do sêmen divino, enquanto não passamos de um sonho infantil mal lembrado, ou de um pesadelo adulto angustiante. Somos eternidade e pó.

O Nazareno não propôs outro propósito para a vida, senão a própria vida – eu vim para que tenham vida e vida em abundância. A magnífica vocação de transformar oitenta por cento do código genético de uma lesma em gente que chora, ri, abraça, dança e cria, revela-se tão fantasticamente maravilhoso, que não fazê-lo, já é Inferno.

Termino com o pós-escrito de Jorge Luis Borges depois que ele cogitou sobre “A duração do inferno”: “Sonhei que saía de outro – povoado de cataclismos e de tumultos – e que acordava num cômodo irreconhecível. Clareava: uma difusa luz geral definia o pé da cama de ferro, a cadeira estrita, a porta e a janela fechadas, a mesa em branco. Pensei com medo, onde estou?, e compreendi que não sabia. Pensei, quem sou?, e não pude me reconhecer. O medo cresceu em mim. Pensei: Esta vigília desconsolada já é o Inferno, esta vigília sem destino será minha eternidade. Então acordei de verdade: tremendo”.

Soli Deo Gloria.

Tributo à vida.

Meu tributo à vida.
(Ricardo Gondim)

Estou vivo, por isso, penduro bandeirolas para alegrar meu dia. Estou vivo, por isso, contrato um poeta para compor um hino. Soberanamente decreto que todo dia, de agora em diante, será feriado. Estou vivo, por isso, organizo o maior de todos os banquetes; e gastarei os próximos 365 dias com a festa do meu aniversário.

O que amo na vida? O imponderável; dançar na beira de abismos; tentar cruzar despenhadeiros em corda bamba; esperar o tiro de canhão na largada da maratona e não saber como vou terminá-la. Adoro desconhecer as notícias que o telefone trará quando se intrometer em meu sono. Como é fascinante sentir um medinho infundado antes de receber os exames do laboratório. Já sinto frio na barriga só de pensar quando este medinho se transformar no Grande Pavor. Creio que lutarei com bravura quando precisar enfrentar a dama da foice que vai tentar me seqüestrar em seu bornal, rumo ao improvável horizonte. Como é bom poder dizer que cada dia é suficiente em seu próprio mal, e não fugir de acordar a cada manhã, mesmo sabendo que poderei renascer das cinzas, como naufragar em meus problemas.

O que amo na vida? Gente. Gosto da diversidade humana, principalmente dos que me rodeiam. A íris dos olhos é mágica. Nela se escondem degradações que se acumularam em milênios de história. Personagens depravados preenchem páginas, capítulos, tomos inteiros, e são seus olhos que mais despertam interesse. Eles conheciam os segredos de Pandora e simpatizaram com a sordidez de Lúcifer. Todos porém, participaram do teatro existencial; não fossem seus porões macabros, não haveria enredo para Shakespeare, Dante, Eça de Queiroz ou Machado de Assis. Para escrever, eu igualmente preciso deles. Mas, as pupilas também são policromáticas e delas emanam réstias da luz divina. Devemos aos bons a viabilização da existência. Como é gostoso ler biografias e poder construir um panteão de princesas e príncipes. Desaprendo a vaidade e murcho meu ego depois de que caminho ao lado de gente como Priscila e Áquila, Policarpo, Francisco de Assis, João Wesley, Adoniran Judson, Mahatma Ghandi, Martin Luther King e Madre Tereza de Calcutá. Estes nunca se contentaram com as cercas altas ou com os apertados quintais onde nasceram. Quando me familiarizo com suas histórias, curvo-me diante de seus legados, e humildemente reconheço que nada sou, nada fiz.

O que amo na vida? A singeleza das crianças que beijam roçando o nariz duas vezes; o altruísmo de quem oferece a casa para uma prostituta de esquina; o empenho do enfermeiro que faz serão gratuito ao lado do moribundo; a resiliência da mulher que lava o marido com Alzheimer; a doçura da filha que empurra a cadeira de rodas de sua mãe enquanto passeiam pelo parque.

O que amo na vida? Sua beleza. Gosto de meditar, enquanto peixes coloridos bailam em câmara lenta pelos ribeiros; de ler, ouvindo o tamborilar preguiçoso da chuva fina; de pensar em Deus naquele momento breve em que a noite engole o sol e desaparece com o dia; de me sentir acorrentado na frente de um Van Gogh; de recitar Vinicius; de fechar os olhos, permitindo que Bach me possua por inteiro. Adoro textos pungentes. Sou melancólico como a bossa nova do Jobim. Sinto-me geneticamente ligado à nostalgia do fado português. Prefiro estradas bucólicas, aos jardins do impressionismo de Monet.

Estou vivo! Ainda hoje brindarei com um cálice de Merlot chileno; lerei Aluisio Azevedo; dormirei abraçado com a mulher de minha mocidade; mas, antes cochicharei para Deus: Obrigado!

Soli Deo Gloria.

Friday, July 28, 2006

Sanguessugas.

Os sanguessugas evangélicos.
(Ricardo Gondim)

O Brasil descobriu que tem lobos vestidos de pastores; uma corja imunda. São os políticos evangélicos que gatunaram o Ministério da Saúde; testas-de-ferro de igrejas, apóstolos e bispos mentirosos que afirmavam haver necessidade de eleger crentes para o Congresso Nacional com um discurso de que almejavam os interesses do Reino de Deus.

Por favor, não insistam em me pedir que seja misericordioso com esses ratos alados: eles sugaram o sangue de brasileiros pobres. A única sugestão que tenho para eles é que cada um amarre uma corda no pescoço e se jogue de uma ponte para dentro de qualquer esgoto.

Por favor, não insistam comigo. Não serei compreensivo. Estou enfurecido. De nada me valerão argumentos de que esses políticos evangélicos podem ser escuma fétida, mas que pregam uma mensagem libertadora. Não tolero mais ouvir essa desculpa. Não acredito que a causa evangélica precise conviver com tanta ignomínia, desde que "salve almas”. Nenhuma “salvação” seria tão excelente que justifique essa indecência que veio à tona, mas que há tempos corre frouxa nos porões das mega "empresas-igrejas" que mercadejam esperanças.

Por favor, não insistam em me dizer que esses políticos foram inocentes úteis, ludibriados por máfias poderosas. Ora, ora, qual o grande discurso triunfalista evangélico, repetido até cansar? "Somos cabeça e não cauda!". E agora? Depois que se ouviu tanto que a presença de políticos crentes no Congresso salgaria o Brasil, como se organizará a próxima "Marcha pela Salvação da Pátria?".

Por favor, não insistam em me dizer que os ladrões são poucos, e que não representam o perfil evangélico. A bancada evangélica foi a maior desse escândalo das ambulâncias superfaturadas. Os crentes lideraram essa gigante maracutaia.

Se alguma igreja, que elegeu um desses congressistas, tivesse um mínimo de brio humano (nem precisaria ser brio cristão), deveria retirar do ar seu programa de televisão; pedir um tempo; expulsar seus políticos; prometer que jamais tentará eleger alguém; e fazer uma Reforma em sua teologia. Porém, sabe-se que isso jamais acontecerá, o que eles menos têm é vergonha na cara.

Por favor, não insistam em me pedir que algum dia me sente em qualquer evento, simpósio ou conferência na companhia dessas igrejas, ou que argumente sobre suas teologias e mentalidades. A Bíblia me proíbe de sentar na roda dos escarnecedores. Não devo considera-los irmãos; esses pastores, bispos e apóstolos devem ser encarados como escroques, que merecem mofar na cadeia o resto da vida.

Por favor, não insistam que eu me cale diante de engravatados de Bíblia na mão, quando sei que eles tentam esconder sua condição de sepulcros caiados. Neles, cabe a carapuça de raça de víboras; mataram velhinhos, condenaram crianças e acabaram com os sonhos de muitas mães. Igrejas que se beneficiaram do esquema de roubo do orçamento da saúde merecem ser sepultadas numa vala comum, e tratadas com o mesmo desprezo que tratamos as empresas de fachada do narcotráfico.

Por favor, me acompanhe em minha indignação. Os líderes evangélicos não podem permanecer de braços cruzados, corporativamente defendendo meliantes fantasiados de sacerdotes.

Por favor, não esperemos que um próximo escândalo nos acorde de nossa complacência.

Há necessidade de uma reforma ética entre os evangélicos.

E ela tem que ser urgente.

Soli Deo Gloria.

Wednesday, July 26, 2006

Armagedom !


















Maranata ! \o/ \õ/

Friday, July 21, 2006

Clientes em Potencial...

Os mais famosos presos da história bíblica
(Revista Ultimato)

A Epístola aos Hebreus faz questão de registrar que alguns heróis da fé da antiga aliança foram “acorrentados e jogados na cadeia” (Hb 11.36, NTLH). E Jesus deixou claro que seus discípulos poderiam ser também perseguidos e presos (Lc 21.12). Não é pequeno o número de personagens bíblicos que foram parar em prisões. Os mais notáveis são:

José
Potifar, oficial de faraó e capitão da guarda, acreditou na calúnia de sua esposa e lançou José, o administrador de seus bens, na prisão destinada aos “prisioneiros do rei”. A palavra “prisão” no original hebraico permite que se chame esse lugar de “masmorra” (RA, TEB) ou “calabouço” (NVI, BP). Não se sabe por quanto tempo José ficou preso. Teria menos de 30 anos de idade na ocasião. O filho de Jacó e Raquel era um detento tão simpático e abençoado por Deus que se tornou, a mando do carcereiro, responsável por todos os demais presos (Gn 39.20-23).

Jeremias
Por anunciar o juízo iminente de Deus contra a nação, por meio de Nabucodonosor, rei da Babilônia, o profeta Jeremias foi espancado e preso numa casa transformada em prisão. O profeta foi colocado numa “cela subterrânea da prisão” (NVI), numa “cela cavada na terra” (NTLH), num “calabouço abobadado” (BJ) ou no “interior de uma cisterna” (TEB). Jeremias trocou de prisão algumas vezes. Depois de “muito tempo” na cela subterrânea, o profeta foi transferido para o pátio da guarda. Por continuar a proclamar que Jerusalém certamente seria entregue ao exército do rei da Babilônia, o preso foi lançado por meio de cordas para dentro de uma cisterna na qual não havia água, mas somente lama. Pouco tempo depois, o rei Zedequias ordenou que o retirassem da cisterna antes que ele morresse e o colocou no pátio mais uma vez.

Quando se deu a queda de Jerusalém, o comandante da guarda imperial de Nabucodonosor libertou Jeremias das correntes, deu-lhe provisões e um presente. Era o mês de julho de 586 antes de Cristo (Jr 37.1–40.6).

João Batista
Por ter denunciado a relação incestuosa de Herodes Antipas, o tetrarca, com Herodias, sua sobrinha e cunhada, João Batista, o precursor de Jesus, foi encarcerado. Algum tempo depois, a jovem Salomé, filha de Herodias, por sugestão da mãe, pediu ao tio que lhe desse num prato a cabeça de João Batista. Então, o tetrarca mandou decapitar João na prisão. A cabeça do morto foi entregue à jovem, que a levou à sua mãe, e o corpo sem a cabeça foi entregue aos discípulos de João para ser sepultado (Mt 14.1-12).

Paulo
Antes de ser preso várias vezes e em diferentes lugares (Filipos, Jerusalém, Cesaréia e Roma) e antes de sua dramática conversão no ano 35 da era cristã, provavelmente aos 30 anos de idade, Paulo fez com os primitivos cristãos o que mais tarde outros fariam com ele. Em sua fúria descontrolada, o jovem Saulo ia atrás dos cristãos de casa em casa, de sinagoga em sinagoga, tanto em Jerusalém como em cidades estrangeiras, e “arrastava homens e mulheres e os lançava na prisão” (At 8.3; 22.4; 26.10). A primeira prisão de Paulo, ocorrida em Filipos por ocasião da primeira viagem missionária, é quase uma piada. Embora detido no cárcere interior (o mais distante da porta) e com os pés colocados entre dois blocos de madeira, pouco depois da meia-noite daquele mesmo dia, Paulo não estava mais na cela, mas na casa do carcereiro, à mesa, tomando uma gostosa refeição, depois de ter suas costas ensangüentadas lavadas pelo próprio hospedeiro (não mais seu carcereiro). O apóstolo ficou detido dois anos em Cesaréia (At 24.27) e mais dois anos na primeira prisão em Roma. Em Roma, Paulo permaneceu numa prisão domiciliar, sob a guarda de apenas um soldado. Nessa casa alugada, entre 60 e 62 depois de Cristo, Paulo escreveu as chamadas Cartas da Prisão (Efésios, Filipenses e Colossenses) e “pregava o reino de Deus e ensinava a respeito do Senhor Jesus Cristo abertamente e sem impedimento algum” (At 28.31).

Acredita-se que Paulo teria sido preso mais uma vez em Roma, “como criminoso”, não numa casa alugada, mas na prisão Mamertima, próxima ao Fórum, pouco antes de ser executado, talvez em 68 depois de Cristo. Dessa casa de detenção, ele teria escrito a Segunda Epístola a Timóteo. Como não conseguia ficar calado quanto às boas novas, Paulo, em suas prisões, evangelizou carcereiros, militares, guardas (os atuais agentes penitenciários) e presos, como o carcereiro de Filipos e o escravo Onésimo (At 16.29-31; Fm 10).

Mário Quintana.

Linha Curva
O caminho mais agradável entre dois pontos.

Linha Reta
Linha sem imaginação.

Melancolia
Maneira romântica de ficar triste.

Ao Pé da Letra
Enforcar-se é levar muito a sério o nó na garganta.

Vento
Pastor das nuvens.

Educação
O mais difícil, mesmo, é a arte de desler.

Os Crocodilos
Pior, mas muito pior mesmo do que as lágrimas de crocodilo são os sorrisos de crocodilo.

Agressões
O ataque de uma borboleta agrada mais do que todos os beijos de um cavalo.

As Indagações
A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.

Dupla Delícia
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
[Mario Quintana; Da preguiça como método de trabalho, 1987]

Busca
Subnutrido de beleza, meu cachorro-poema vai farejando poesia em tudo, pois nunca se sabe quanto tesouro andará desperdiçado por aí...
Quanto filhotinho de estrela atirado no lixo!
[Mario Quintana; Poesia Completa: Poemas para a Infância, 2005]

"..."
Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página ainda em branco. Mas ele, naquela noite, não escreveu nada. Para quê? Se por ali já havia passado o frêmito e o mistério da vida...

Sempre me senti isolado nessas reuniões sociais: o excesso de gente impede de ver as pessoas..."

Voa um par de andorinhas, fazendo verão.
E vem uma vontade de rasgar velhas cartas,
velhos poemas, velhas contas recebidas.
Vontade de mudar de camisa,
por fora e por dentro... vontade...
Para quê esse pudor de certas palavras?
Vontade de amar, simplesmente.
[Sapato Florido, 1948]

"O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso."

Leituras 2
Não, não te recomendo a leitura de Joaquim Manuel de Macedo ou de José de Alencar . Que idéia foi essa do teu professor?
Para que havias tu de os ler, se tua avozinha já os leu? E todas as lágrimas que ela chorou, quando era moça como tu, pelos amores de Ceci e da Moreninha, ficaram fazendo parte do teu ser, para sempre.
Como vês, minha filha, a hereditariedade nos poupa muito trabalho.
[in: Caderno H, Editora Globo - Porto Alegre, 1973]

Em que estrela, amor, o teu riso estará cantando?

Passos e Pedaços.

CAMINHANDO SEM DEIXAR PEDAÇOS
(Caio Fabio)

Leitura: Lucas 10

Jesus ensinou como é que a gente tem que fazer para não sair deixando pedaços de nós pelo caminho.

O mover humano sobre a terra, em todos os encontros que constroem a vida, em seus múltiplos e interconectivos relacionamentos, estabelece que, muitas vezes, a gente vá levando pedaços de outros em nós; como também cria a possibilidade de que nos deixemos desmembrar e espalhar em muitas partes.

Sim, muitas vezes, deixamos partes de nós como despojo para os que nos usaram, ou nos comeram, ou nos engoliram, ou nos vampirizaram o ser.

Se pudéssemos nos ver com olhos que enxergam o invisível, veríamos imagens psicologicamente horrendas de nós mesmos e dos outros.

Vejo uma menina bela, pura, simples e cândida—e que mantinha tal padrão de ser de modo consistente por mais de 25 anos—, subitamente vir a se apaixonar por um homem duro, grosso, cheio de cavalices, incapaz de respeitá-la, canastrão de baixo nível, beberrão e babão; o qual, pega tal menina e vira sexualmente do avesso; e, depois disso, a mantêm como escrava, adoecendo a alma dela; a qual, agora, usa de sua própria bondade a fim de auto-justificar sua permanência numa relação desrespeitosa e desumanizante.

Mas ela fica com ele. Dois anos depois ela é ainda boa, porém, adoecida pela paixão que se veste de bondade a fim de não ter que encarar o fato de que a visceralidade do vinculo sexual se tornou mais importante que a vida e a paz.

Ela já não é mais a mesma!

O sadio é mudar sempre em nós mesmos; não mudar de nós mesmos.

Encontros podem mudar completamente o sentido e o equilíbrio do ser. Especialmente se as doenças dos que se encontram, são complementares; pois, nesse caso, faz surgir simbioses entre as partes; ou, ainda, faz com que ambos deixem pedaços de si um com o outro, quando do ato da separação.

O mesmo se pode dizer de amizades. Há amizades que mudam as vidas das pessoas para sempre; para o bem ou para o mal. Já vi amigos mais casados e conjugados um com o outro, do que jamais conseguiram ser com suas mulheres ou amantes.

Durante anos e anos de história, convívio, cumplicidades, banditismos, acobertamentos, pactos, admiração, dívidas, testemunho histórico; ou, por último, total conhecimento dos vícios um do outro, muitos vão ficando cada vez mais amigos e parecidos apenas porque estão ficando cada vez mais doentes da mesma doença; sendo, agora, um a doença do outro.

Quando há uma ruptura, fruto de alguma traição, então, cada um segue para o seu lado, agora sofrendo cada qual outra dor: a de descobrir que já não sabe o que nele é dele; e o que nele é do outro—sendo que sofre por algo que nele existe e não lhe pertence, mas lhes faz muito mal.

Tudo o que não sou eu em mim, não faz bem a mim!

É fundamental que em nosso caminhar a gente “não leve nos pés nem a poeira da cidade”, ou do relacionamento, ou do vício e da co-dependência que nos aprisionou entre paredes de espíritos angustiados.

Jesus ensinou que somente a paz pode nos deixar imunes a essas coisas.

Encontros, relacionamentos, amores, paixões, desejos, admirações, ou convívio com gente que não consegue nos acolher ou inspirar na paz, sempre arrancam pedaços de nós e nos corrompem.

Por essa razão, Jesus mandou que quando entrássemos numa cidade ou casa, a primeira coisa que fizéssemos fosse proclamar, com sincero desejo, as seguintes palavras: “Paz seja nesta casa!”

Ele disse que se houver “um filho da paz” no lugar, que nossa paz desça sobre ele; mas se não houver ali espíritos de boa vontade e paz, que nossa paz não se perca como outras formas de energia, como num atirar de pérolas aos porcos.

Ele disse que nesse caso, não se levasse nem mesmo a poeira daquele chão de discórdias nas sandálias que calçam nosso andar.

O que deve calçar os nossos pés é o Evangelho da Paz. Não se pode calçá-lo com as poeiras das energias espirituais da amargura, da cobiça, da luxúria, da megalomania, da maldade e da indiferença.

Assim, Jesus não nos ensina sobre o poder de frases poderosas ou mágicas, como o mero dizer: “Paz seja nesta casa!” Ao contrário disso. Pois, embora Ele mesmo faça tal saudação, conforme as narrativas dos evangelhos, o Seu ensino, todavia, é muito mais sério e profundo do que um dizer “paz”.

Na realidade Jesus estava falando de discernir espíritos. E de não insistir em ‘estadas’ que não promovem a paz, antes nos fazem filhos do ódio, da ira, da hostilidade, ou da antipatia.

Nesse caso, que não se perca energia espiritual—“...que a vossa paz volte sobre vós”—; e que não se leve nada da energia espiritual daquele lugar, cultura, relacionamento, ou mesmo daquela assembléia de ouvintes.

É obvio que para os que rejeitam a paz que é oferecida como fruto da Graça que é emulada pela consciência do Evangelho, o resultado é danoso. Ninguém se encontra com a Boa Nova, a rejeita, e deixa de ficar num estado sete vezes pior do que antes.

Quanto mais se rejeita a paz, pior se vai ficando. A ponto de se ficar pior do que “Sodoma e Gomorra”.

O que se deve saber é que a pessoa humana irradia suas energias o tempo todo. Somente quem anda no espírito da paz é que passa e não se contamina com o que é mal. Quem não anda respeitando o arbítrio da paz no coração, jamais conseguirá passar imune pelos inevitáveis encontros com toda sorte de intenções espirituais malévolas.

Portanto, chegue e ande sempre na paz. E isto não é frase. Também não é um sentir de ausência de desconforto. A paz é densa, é certa, é serena, é ativa, é alegre.

Por isso, não se apaixone pela angustia, não se enamore da aflição, não se amasie com a culpa, não se case com a amargura, não sirva ao desrespeito, não entregue sua bondade à auto-destrutividade.

Não se deve esquecer que quando Jesus ensinou essa verdade aos Seus discípulos, um pouco antes, Ele lhes havia dito: “Eis que vos envio como ovelhas para o meio de lobos”. Assim, tudo o que segue a esta afirmação tem a ver com a proteção do ser-cordeiro no mundo dos seres-lobos.

Não deixe sua paz se perder na casa da perversidade. Não deixe sua paz se perder na congregação dos indiferentes. Não deixe sua paz servir de tapete para o vomito dos tiranos que desejam se deitar sobre sua vida.

Que nenhum pedacinho de você fique arrancado e largado por aí. Que a paz seja o poder que proteja você de ser engolido na casa dos lobos.

Não brinque com o ser-lobo. Ele não ama a paz. De seu ambiente espiritual não carregue nem mesmo a poeira.

Mas se você deixou pedaços, não se desespere; apenas descanse na paz. Isto porque quando alguém se deita na paz, que é fruto da confiança, então, tudo o que é “nós”, volta para nós; e tudo o que não é “nós”, sai de nós.

É a voz daquele que diz como Ezequiel “Senhor Deus, tu o sabes!”, aquilo que inicia o processo que rejunta os pedaços dos ossos secos, e os faz tornarem-se corpos inteiros, completos e vivos.

Enquanto anda, anuncie a paz com sua vida. Anunciar a paz também faz belo o caminho do caminhante. “Quão formosos são seus pés!”

Não há pés mais belos, não há charme mais cativante, não há caminho mais admirável, do que o daquele que anuncia e vive a Boa Nova como paz.

Além do quê, o único ser que pode abraçar a si mesmo com sentido de inteireza é aquele que se deixou pacificar pela confiança. Esse não deixa pedaços de si mesmo por aí.

Thursday, July 20, 2006

Pipoca

A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.
Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.
Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.
Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!
A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa - voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.
Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.
Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão - sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! - e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta
voante.
Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.
"Morre e transforma-te!" - dizia Goethe.
Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.
Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.
Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.
Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.
Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á".A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.
Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...
"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".

(Rubem Alves)

Cruz.

E DISSE DEUS: HAJA CRUZ, E HOUVE CRUZ!
(Caio Fabio)

- Escrito em 2003

A Cruz vem antes de todas as Coisas, e, portanto, também antes de todas as Quedas.

Só houve a possibilidade de haver Liberdade — incluindo os terríveis riscos de haver Quedas— porque, antecipadamente, já havia o Cordeiro e Seu Sangue conhecido com efeito antes da fundação do mundo—sim! antes de todo e qualquer mundo.

“Haja Cruz”—foi o grito que nenhuma criatura ouviu ser bradado, pois, Quem o bradou estava só!

Esse clamor do Deus agonizante antes de parir Seus mundos—todos eles—, nenhuma criatura ouviu.

Nem mesmo os anjos—os filhos de Deus que alegremente viram e cantaram a sabedoria de Deus na Criação— ainda não existiam para testemunhar esse Brado. Afinal, eles vieram depois dele. Daí a Cruz ter sido e ser para eles um mistério, aliás, o Mistério!

Era um entendimento de Deus com Deus. E ninguém existia para ser Seu conselheiro. Daí ter sido também o Grande Mistério que nem Lúcifer conhecia.

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparas-te?”—fez-se ouvir antes que qualquer criatura ou criação experimentasse consciência de queda e desamparo!

Pensar diferente é crer numa Cruz que veio depois—ou seja: sendo apenas uma tentativa divina de remendar Seus próprios erros como Criador e Sua culpa ante a Criação.

Quando se diz que o Cordeiro de Deus foi imolado antes da criação do mundo, diz-se também que a provisão da Graça é a única Liberdade possível na Terra, pois, essa certeza do Amor Gracioso que se entregou pelos equívocos e pecados da Criação antes dela existir, carrega consigo uma profunda libertação da culpa de ser e de todas as fobias existenciais que ela patrocina.

Estou convencido de que é somente vivendo com essa consciência em fé é que se pode experimentar a libertação de todo medo de ser, viver, existir e, também, pode-se assumir a própria consciência como o Santo dos Santos de cada indivíduo na Terra.

Aqui começa a liberdade. Nenhuma liberdade que não nasça da consciência em fé de que este universo tanto é fruto do Amor de Deus quanto também de Sua entrega Sacrificial pela Criação pode ser chamada de liberdade. Isto porque antes de qualquer Criação existir a Cruz foi Erguida!

Ora, é isto que pode nos fazer viver como pecadores livres do pecado-culpa de ser, que é a mais latente de todas as culpas que o ser humano conhece.

O Perfeito Amor lança fora o medo!

Só se perde o medo de ser quando se perde o medo de Deus!

E isto só acontece em plenitude mediante a Liberdade que nasce da Graça Pré-existente de Deus, na entrega do Cordeiro Eterno, que é Cristo Jesus, o Nosso Senhor!

No dia em que essa consciência em fé nos possui, acontece o funeral religioso da Teologia Moral de Causa e Efeito!

“O Cordeiro Imolado Antes da Fundação do Mundo”—é, para mim, a afirmação apostólica cujas implicações incidem sobre todos os aspectos de qualquer que seja a compreensão cristã da Existência!

Depois dela fica mais fácil entender como e porque Nele tudo subsiste, sem que isto implique em indiferença divina para com Sua Criação ou em solidariedade divina para com o mal que passou a habitar a Criação.

Do contrário, por que seria Ele a Fonte Criadora e Mantenedora de Todas as Existências, sendo Ele, ao mesmo tempo, o Criador Eternamente Separado de considerável parte de Sua própria Criação?

E isto enquanto a alimenta com energia de existir que nem sempre é usada na direção da Vida?!

Num universo onde existe o mal, a inclusão dele como dependente da energia vital que procede de Deus só faz sentido se o Cordeiro tiver sido imolado antes que as partes que se desintegraram de sua comunhão com o Criador houvessem sido criadas.

Isto porque é preciso diferenciar o Criador, de toda e qualquer escolha que na Criação tenha implicado em Queda.

Digo isto ao mesmo tempo em que sei que não é possível fazer tal diferenciação completamente. E por que? É que fora de Deus não existe nada absoluto.

Ora, algo é Absoluto quando é Auto-Existente.

Todavia, há um só Deus e Pai de todos, que age por meio de todos e está em todos!

Portanto, qualquer criatura existe em Deus, mesmo que sua livre escolha seja existir sem a Vida de Deus agora ou para sempre.
Isto também é liberdade! e é sua mais terrível manifestação! A escolha pelo inferno de ser!

O Cordeiro imolado antes da fundação do mundo é também a garantia de que qualquer criatura pode escolher existir eternamente danada, no inferno de suas resistentes escolhas enganadas.

Afinal, até para que se tenha a liberdade de escolher não-ser-de-Deus tem-se que usar das graças naturais que Dele provêm a fim de nos manter existindo!

Daí haver a Hora chamada de o Grande Dia da Ira do Cordeiro. A Graça oferecida desde antes da fundação do mundo, em sendo pisada pelos pés conscientes da indiferença, gera, ao final da presente era da consciência caída, o Dia do Juízo, onde Aquele que deu—e deu tudo—pela Criação, haverá de se levantar em seu favor e contra os seus espoliadores conscientes e insensíveis.

O Grande Dia da Ira do Cordeiro é, paradoxalmente, o Dia da Graça para a Criação. É o juízo sobre os que devoram Terra, seus recursos, suas criaturas, seus oceanos, fontes de águas, suas maravilhas, e suas produções naturais.

É também o Dia da Vingança sobre as Civilizações que existem para fazer com que sua cidadania na Terra produza cataclismos gerados pela bomba da cobiça, pelo des-amor aos recursos do Planeta e por causa de sua tirania sobre as demais criaturas—humanas ou não!

Isto porque como a Cruz vem antes da Criação e como as criaturas gemem esperando o Dia da Redenção, então, pode-se dizer que toda a criação sente dores e agonias latentes pela Graça que pode redimir a toda criatura

Wednesday, July 19, 2006

Quase.

(Luís Fernando Veríssimo)

Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase.

É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.

Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou.

Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cór, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz.

A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.

Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.

O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.

Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência; porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.

Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo.

De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.

Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você.

Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.

Dor que surpreende...

Ontem...

dor de perder um amor.

...nem eu mesma sabia amado !

Sangro a tua perda !

Tuesday, July 11, 2006

The way...

Monday, July 10, 2006

Minhas incertezas.

Minhas incertezas.
(Ricardo Gondim)


Se exponho minhas vísceras, escrevo meu diário em público e revelo minhas intimidades a desconhecidos, obviamente, me vulnerabilizo. Sei dos riscos quando permito que estranhos caminhem no solo sagrado do meu coração.

Quando sangro em plena avenida, sou acolhido por viajantes atenciosos; porém, não faltam pedradas de quem vasculha nas minhas fraquezas, as provas de meus fracassos.

Mesmo reconhecendo os perigos de despir-me na praça, insisto em fazê-lo. Já não saberia escrever, sem arrancar das minhas entranhas, a matéria prima dessas mal traçadas linhas.

Por mais que os crentes se arrepiem, não temo divulgar minhas incertezas. Cada dia que passa estou mais incerto sobre mim mesmo. Pareço ser o que não sou e sou o que não pareço ser. Se alegro-me com o menino que mora dentro de mim e que se recusa a crescer, também assusto-me com o velho que me espreita de dentro de fotografias coloridas, querendo me possuir .

Sim, estou cada dia mais inseguro de como enfrentarei a morte de meus amores. Terei coragem de encarar essa inimiga quando ela bater na porta de minha casa?

Minha fé não nasceu de certezas, mas de dúvidas. Só quem não consegue provar, necessita crer. Sei sobre o imponderado divino por um tênue testemunho do meu coração. O Espírito testifica com o meu espírito, e isso parece bastar. Mas, como provar? Quando recorro aos argumentos racionais, implorando que eles corroborem com tão sutis verdades, percebo-os impotentes. Reconheço a fragilidade de minha fé que só ouve o inaudível, só percebe o imperceptível e só toca o intangível. Quando afirmo que sei, meu coração aposta no que verdadeiramente nada sabe.

Por vezes, sinto-me inseguro como Davi quando achou que Deus lhe dava as costas, e clamou: “Por que te escondes de mim?”. Subitamente pavores invadem minha alma e fujo para dentro de cavernas como Elias. Semelhante a João Batista, hesito em minhas convicções, e pergunto: “Será que Ele é mesmo quem propaguei ou eu estava enganado?”. Admito, já me comportei como Tomé; pedi provas concretas para alicerçar minha fé.

Imagino quanta negação é necessária para nunca ter que admitir incertezas; quanta energia, para demonstrar que se ultrapassou as fragilidades humanas.

Não invejo a garantia dos religiosos, nem cobiço seus alicerces inamovíveis. Apiedo-me de quem vive repetindo que nunca se abala em suas convicções.

Sou um homem de fé; eis a razão de tanta insegurança.

Soli Deo Gloria.

Há vagas.

Vagas no Reino de Deus.
(Ricardo Gondim)


Chegou às minhas mãos um documento confidencial, com uma chancela em alto relevo, que diz: “Sala do Trono”. É uma circular interna do Céu que descreve o perfil das pessoas que Deus procura para encarnarem os valores do seu Reino na terra.

Não me perguntem quem vazou esse papel tão sigiloso; realmente desconheço sua origem. Só consigo comprovar sua autenticidade pelo conteúdo das propostas, a meu ver, coerentes com a Bíblia.

Transcrevo-o abaixo.

“Procuram-se mulheres e homens que não vivam escravizados pelas mesmas obsessões que dominam as pessoas: riqueza, fama e poder. Serão dispensados aqueles que correm alucinados, sempre perguntando: ‘Que comeremos, que beberemos? Ou: com que nos vestiremos?’. Não serão recebidos currículos de quem gosta dos lugares de honra, e de posar ao lado de pessoas consideradas importantes. Nenhum entrevistado pode vangloriar-se de seus feitos. Sugere-se que seja considerado apenas o que se enleva com a grandeza das galáxias ou com a fragilidade das margaridas. O candidato pré-aprovado deve estagiar em algum deserto e será despedido sumariamente aquele que não souber ouvir a voz dos ventos mais delicados; não se extasiar com o pôr-do-sol que colore o céu de vermelho; e não se calar diante das constelações que enfeitam as noites escuras com seus diamantes.

Para ocupar a posição de apóstolo, só se admitirá o que abrir mão deste título; será reprovado o candidato que afirmar, em algum ponto da entrevista, que se sente honrado com a possibilidade de continuar com a missão apostólica. O entrevistado precisará revelar discrição e total desinteresse para com os louvores humanos. Não será admitido, em hipótese alguma, qualquer um que, mesmo de relance, demonstre estar cogitando um projeto próprio. Está desqualificado o que insinuar, até inconscientemente, que gosta de dinheiro. Será desprezado quem se esforçar para mostrar uma espiritualidade mais intensa que a maioria das pessoas.

Há grande necessidade de profeta, mas se exigirá um rigor maior no preenchimento dessa posição. O profeta será testado em sua capacidade de sentir o coração de Deus. Numa primeira avaliação, o candidato será levado a conviver com os sofrimentos mais cruciantes da humanidade. Será despedido sumariamente aquele que oferecer explicações teológicas para a dor universal. Antes, requer-se que o profeta saiba deitar seu ouvido no coração de Deus e sinta seus anseios e vibrações pela raça humana. Reprove-se o que não verter lágrimas; não soluçar com a morte desnecessária de crianças; não se indignar com a volúpia dos que acumulam fortunas, não protestar contra a indiferença dos confortáveis; e não lutar contra os preconceitos racial, cultural e de gênero.

O candidato a evangelista deverá preencher os seguintes critérios: 1) Amar as pessoas, mais do que seu ofício. Portanto, é bom observar como reage ao sucesso ou ao fracasso. Será reprovado todo aquele que demonstrar extrema alegria pelo bom desempenho de alguma empreitada. Será descartado, igualmente, o que se entristecer com o baixo rendimento de seus esforços. Somente estará apto para o ofício de evangelista quem aprender a amar, mesmo quando as pessoas resistem à sua mensagem. Ser fiel é mais importante que bem sucedido. 2) Não se aceitará o orador empolado, que repita clichês, ou que maltrate o bom senso das pessoas com frases prontas. Quem fizer promessas irreais, responder ao drama humano com simplismos; se usar a mensagem do Evangelho com o intento de subornar ou coagir o amor das pessoas, será desconsiderado. 3) Terá desclassificação imediata, quem fizer convite de conversão, apelando para as emoções. A entrevista qualificatória deve terminar no instante em que se perceber que o candidato a evangelista gosta de manipular e sensibilizar as pessoas com choros e frenesis.

Há vaga para pastor. Contudo, não se deve apressar o preenchimento dessa função. Só será admitido, candidato que já tenha caminhado extensamente com o povo. É bom que conheça todo espectro social e saiba transitar entre ricos e pobres; doentes crônicos e atletas profissionais; patrões e empregados. Como os pastores não podem viver trancados em gabinetes, é de bom alvitre que se avalie como se comporta quando prega para grandes auditórios, e como trata indivíduos. O que demonstrar maior traquejo com multidões, mas evita o contato pessoal, será repudiado. Todo pastor precisa caminhar de mãos dadas com famílias enlutadas; precisa saber esperar pela notícia de morte ao lado das ovelhas que choram no corredor da UTI; precisa conversar pacientemente com os jovens que lutam com sua sexualidade; e precisa abraçar carinhosamente os idosos. É imprescindível que, vez por outra, chore quando oficiar casamentos.

Existe uma grande necessidade de mestre. Mas, para essa função, o candidato precisa apresentar seu currículo acadêmico, que será analisado de acordo com a capacidade e oportunidades de cada um. Contudo, o futuro mestre não pode valorizar exageradamente a letra a ponto de matar o espírito dos textos. Ele deve revelar disposição de defender a verdade, principalmente quando ela estiver a serviço da vida. Será desclassificado aqueles que, na defesa de suas convicções, demonstrar descaso existencial. Deve-se pedir que cada candidato escreva ressonâncias a poesias, pintura ou música; deverão ficar de fora, os que mostrarem rigor exagerado no literalismo, na análise técnica da obra. Não serve para essa função o que perde a beleza subjetiva, aquela que só se percebe com o coração. Quando o entrevistado comentar que domina um determinado assunto, ficará sob suspeição até o final da entrevista. A título de exercício, em cada argumentação do futuro mestre, é mister que haja contestação com pressupostos diferentes. Caso se mostre intolerante, ou não ceda na arrogância de seu conhecimento, será reprovado”.


Surpreendi-me com integridade da Descrição de Funções do Reino Deus! Como é fantástico que Ele continue à procura de cooperadores verdadeiros.

Aconselho que muitos candidatos se tranquem em seus quartos, dobrem os joelhos e se voluntariem; será uma honra verem-se incluídos para o nobilíssimo serviço de continuar o que Jesus começou.

Eu já me candidatei e aguardo minha aceitação. Mas, enquanto ela não chega, treino outros. Desejo que eles se tornem hábeis artesãos de uma nova história.

Soli Deo Gloria.