Tuesday, August 29, 2006

Grandes questões.

Questões da vida ministerial.
(Caio Fábio)

No fogo do 1º amor:
Eu digo!
Eu faço!
Eu penso!

No encontro com a 1ª dificuldade:
O que dizer?
O que fazer?
O que pensar?

No escritório consultando um teólogo:
Há pra dizer?
Há pra fazer?
Há pra pensar?

No 1º ano de seminário:
Dizer o que?
Fazer o que?
Pensar o que?

No 1º ano de ministério:
Que digo?
Que faço?
Que penso?

No 10º ano de ministério:
Digo?
Faço?
Penso?

No 20º ano de ministério:
Eu?
Digo? O que?
Faço? O que?
Penso? O que?

No 30º ano de ministério:
O quê? Digo?
O quê? Faço?
O quê? Penso?

No 40º ano de ministério:
Quem diz?
Quem faz?
Quem pensa?

No 50º ano de ministério...
Quem? Diz?
Quem? Faz?
Quem? Pensa?

Depois...
Diz quem?
Faz quem?
Pensa quem?

Ainda bem depois...
O que?
O quê?
O quem?

Ainda...
Quem? O que? O quê?
Diz? Faz? Pensa?
É?!

Joga pedra na Geni !

Chico Buarque, Geni e Raabe.
(Ricardo Gondim)

No livro "Chico Buarque do Brasil" – (Editora Garamond – Edições Biblioteca Nacional) vários artistas e intelectuais escreveram sobre a sua vida e obra quando ele completou seus 60 anos.

Entre as análises de sua obra, interessei-me pelo capítulo em que Leonardo Boff fala de “Chico Buarque e a cultura humanista cristã”.

Transcrevo abaixo alguns parágrafos:

“O cristianismo é mais que uma confissão religiosa, encarnada em muitas igrejas. É principalmente uma força cultural que desborda das confissões e segue uma via secular, marcando a cultura ocidental, incompreensível sem a seiva cristã que corre por suas veias”.

“Esta expressão cultural e secular do cristianismo talvez seja a contribuição maior e mais perene que a utopia e o sonho do Nazareno legaram à humanidade”.

“Seria, entretanto, um erro histórico e pretensão descabida pensar que o cristianismo seja a única fonte modeladora deste humanismo. Presentes nele estão a filosofia e o teatro gregos, o direito e organização político-militar romana, o espírito inovador da Renascença, a liberdade reivindicada pelos formuladores do paradigma da ciência moderna com Galilei, Newton e Copérnico, a tradição emancipatória da Revolução Francesa e a reflexão moderna filosófica, psicanalítica e cosmológica”.

“A sacralidade e a inviolabilidade de cada pessoa, subjacente a toda luta pelos direitos humanos, têm sua razão derradeira na crença de que todos, por humílimos que sejam, são filhos de Deus. Foi por aí que Gandhi fundava a dignidade dos párias e condenava todo tipo de violência: ‘não se pode fazer isso, com um filho e filha de Deus’”.

“O fato de sentirmos em nós um desejo infinito que não encontra no mundo nenhum objeto que lhe seja adequado, como tão bem vem insinuado em algumas letras das músicas de Chico (a função do tormento em sua produção), encontra seu fundamento ontológico no falto de que somos seres de transcendência, abertos aos outros, ao mundo, ao Todo e, no termo, ao Grande Outro. Por isso, sentimo-nos um projeto infinito, que nenhuma religião, nenhuma ideologia, nenhuma ciência, nenhum Estado ou configuração social pode realizá-lo adequadamente, permitindo-nos repousar”.

“Partindo dessa percepção é que o filósofo Immanuel Kant afirmava insistentemente em sua ética que o ser humano é sempre um fim em si mesmo e jamais um meio para qualquer outra coisa” (o grifo é meu).

Quando terminei o capítulo de Boff com sua percepção do humanismo cristão na obra desse grande poeta brasileiro (se aceito ou rejeitado pelo próprio Chico, não importa), lembrei-me de sua música “Geni e o Zepelin”.

Que extraordinária percepção da grandeza de uma prostituta que “dava” para os desvalidos, mas sentiu asco de deitar-se com o comandante do Zepelin gigante. Sempre apedrejada e odiada, Geni era uma linda mulher. Quantas lindas mulheres perambulam nos arredores da vida?

De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniqüidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir

Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni.
(Chico Buarque)

Antes que os guardiões da reta santidade evangélica se organizem para me apedrejar, preciso lembrar-lhes de Raabe. Ela se recusou “comungar” com a elite de Jericó, mas deve ter ido para a cama com um dos valentes de Josué. E amaram-se tanto que se casaram.

Ele pagou? Quanto? Nunca saberemos.

Jesus advertiu que as Genis entrarão no Reino antes dos religiosos. Estranho, não?

Soli Deo Gloria.

Friday, August 25, 2006

Meu inimigo.

Meu inimigo sou eu.
(Ricardo Gondim)

Vez por outra sou atacado por um inimigo atroz: eu mesmo. Delimito meu mundo e meus únicos vizinhos tornam-se meus desejos; sem reconhecer a ferocidade dos meus egoísmos, contento-me com minha insignificância. Nessas alucinações entrópicas, descubro a gênese de meus egocentrismos. Ele acontece quando, depois de lutar por ideais, cobrar atitudes das pessoas e propor um mundo mais justo, sou acometido pelo desejo de mandar tudo para o espaço e cuidar só do estreito quintal de minha vida.

Há pouco tempo deu-me uma vontade louca de desistir de tudo e me mudar para bem longe. Meio desencantado com minha geração, tive um ímpeto de me aposentar precocemente; talvez comprar uma casinha no sertão, diminuir minhas demandas financeiras e passar o resto dos meus dias lendo, pescando e curtindo a companhia sempre prazerosa de minha mulher.

Quando já me preparava para viver como uma cigarra selvagem, sem muita preocupação senão com minha própria felicidade, por acaso, li um pequeno trecho do poeta mexicano, Amado Nervo (1870-1919). Suas palavras ressoaram dentro de mim com tanta força, que adiei minha aposentadoria por tempo indeterminado:

“Todo homem que te procura vai pedir-te alguma coisa; o rico aborrecido, a amenidade da tua conversa; o pobre, o teu dinheiro; o triste, um consolo; o débil, um estímulo; o que luta, uma ajuda moral. Todo homem que te busca, certamente há de pedir-te alguma coisa. E ousas impacientar-te!

Infeliz! A lei oculta, que reparte misteriosamente as excelências, dignou-se outorgar-te o privilégio dos privilégios, o bem dos bens, a prerrogativa das prerrogativas: dar. Tu podes dar!

Deverias cair de joelhos e dizer: Graças, meu Deus, porque posso dar! Nunca mais passará por meu semblante uma sombra de impaciência”.

Ao terminar a leitura, lembrei-me que o conceito de liberdade cristã não contempla qualquer egocentrismo. Anjos egoístas se transformaram em demônios; homens, em pecadores; e o mundo, num inferno. Assim, decidi resistir essa tentação de abandonar minha vocação. Resolvi que asfixiarei essas inclinações que desafiam a minha fé e exorcizarei a vontade de parar; ela arrastará meu coração para o conforto dos tímidos que não herdarão o Reino de Deus.

André Comte-Sponville tratou da generosidade em seu”Pequeno Tratado das Grandes Virtudes” (Martins Fontes) e concluiu que “a generosidade, como todas as virtudes, é plural, tanto em seu conteúdo como nos nomes que lhe prestamos ou que servem para designá-la. Somada à coragem, pode ser heroísmo. Somada à justiça, faz-se eqüidade. Somada à compaixão, torna-se benevolência. Somada à misericórdia, vira indulgência. Mas seu mais belo nome é seu segredo, que todos conhecem: somada à doçura, ela se chama bondade”.

Devemos lembrar que a prioridade maior da fé não consiste em defender verdades, mas em aprender a amar. Jesus disse em João 13.35: "Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”. Há algum tempo venho propondo que o principal curso dos seminários deveria ser “Agapeologia”, objetivando mostrar que ninguém pode se considerar um seguidor de Cristo se não dividir seu lanche, como fez um menino no milagre da multiplicação, e se não lavar os pés dos desafetos, como fez Jesus na noite em que Judas o traiu.

Reconheço a dificuldade de abrir mão da minha reputação para não deixar que melindres tirem minha alegria de servir, insistirei em me dar incondicionalmente àqueles que nem valorizam meus gestos de bondade. Reconheço que a trilha mais confortável conduz ao isolamento e que, muitas vezes, sinto facilidade em responsabilizar o próximo pelos meus infernos. Mas esse impulso de buscar isolar-me não nasce do Deus Trino que desde sempre convive em perfeita harmonia. Um projeto de vida egocêntrico é luciferiano.

Sabendo que o egoísmo nasce do Diabo, rejeito seus ardis. Não sonegarei meus afetos, não vou ilhar-me, indiferente ao meu semelhante; não tentarei fugir para os confins do universo; e nem farei da minha cama um abismo de lamúrias. Atenderei ao apelo de Paulo: “E vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem (...) sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor” (2Ts 3.13 e 2Co 15.58).

Soli Deo Gloria.

Maluco ?!?!

É Coisa de Maluco...
("Fincabaut")

É coisa de maluco, alguém falou,
O segredo do outro que o outro me contou...
É coisa de maluco dizer que ama,
Só pra levar mais uma pra cama...
É coisa de maluco, niguem obedece,
Sinal de trânsito e faixa de pedestre...
É coisa de maluco, parar o carro,
E ter que pagar pra não ser roubado !!!

É coisa de maluco, é coisa de maluco...
É coisa de maluco, "chose delok" !

É coisa de maluco, mas acontece,
Depois que o cara morre é que a gente reconhece...
É coisa de maluco, dar beijo na boca,
Ficar passando uma língua na outra...
É coisa de maluco, a Núbia de Oliveira,
A Vera Ficher, Isadora Ribeiro (...)
É coisa de maluco, mas ninguem quer,
Ficar comendo sempre a mesma mulher (!!!)

É coisa de maluco, é coisa de maluco...
É coisa de maluco, "chose delok" !

É coisa de maluco, é o maior nojo,
Encontrar um cabelinho num prato de miojo...
É coisa de maluco, mas a polícia,
vai ter que pegar a própria polícia...
É coisa de maluco comer chiclete,
Uma borracha que não derrete...
É coisa de maluco mas enriquece,
O bispo disse: - Ou dá, ou desce !!!

É coisa de maluco, é coisa de maluco...
É coisa de maluco, "chose delok" !

É coisa de maluco, mas tem gente que gosta,
De vela derretida e chicotada nas costas...
É coisa de maluco, aguentar o mosquito,
A noite toda zumbindo no ouvido...
É coisa de maluco, trabalhar o mês inteiro,
Depois não ver a cor do dinheiro...
É coisa de maluco, mas eu queria,
Ver todo mundo transbordando de alegria...

É coisa de maluco, é coisa de maluco...
É coisa de maluco, "chose delok" !

Metade.

Metade
(Oswaldo Montenegro)

Que a força do medo que tenho,
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito,
não me tape os ouvidos e a boca,
pois metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe,
seja linda, ainda que tristeza.
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada,
mesmo que distante;
porque metade de mim é partida
e a outra metade é saudade.
Que as palavras que falo,
não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor;
apenas respeitadas como a única coisa
que resta à um homem inundado de sentimento;
porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora,
se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corrói por dentro,
seja um dia recompensada;
porque metade de mim é o que penso,
e a outra metade um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste,
que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
que me lembro ter dado na infância;
porque metade de mim é a lembrança do que fui,
e a outra metade não sei.
Que não seja preciso mais que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito,
e que o teu silêncio me fale cada vez mais,
porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba,
e que ninguém a tente complicar,
pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer;
porque metade de mim é platéia,
e a outra metade é a canção.
E que a minha loucura seja perdoada,
porque metade de mim é amor,
e a outra metade também.

Wednesday, August 16, 2006

Reforma.

Meu horizonte está em obras...

Monday, August 14, 2006

Angel.

Angel
(Sarah Mclachlan)

Spend all your time waiting,
for that second chance
for a break that would make it okay
there's always some reason
to feel not good enough
and it's hard at the end of the day
I need some distraction
oh beautiful release
memories seep from my veins
let me be empty
oh and weightless and maybe
I'll find some peace tonight

In the arms of the angel
far away from here
from this dark cold hotel room
and the endlessness that you feel
you are pulled from the wreckage
of your silent reverie
you're in the arms of the angel
may you find some comfort here

So tired of the straight line
and everywhere you turn
there's vultures and thieves at your back
and the storm keeps on twisting
you keep on building the lies
that you make up for all that you lack
it don't make no difference
escaping one last time
it's easier to believe
in this sweet madness
oh this glorious sadness
that brings me to my knees

In the arms of the angel
ar away from here
from this dark cold hotel room
and the endlessness that you feel
you are pulled from the wreckage
of your silent reverie
you're in the arms of the angel
may you find some comfort here
you're in the arms of the angel
may you find some comfort here.












Angel (tradução)
(Sarah Mclachlan)

Gaste todo seu tempo esperando
Por aquela segunda chance,
Por uma mudança que resolveria tudo
Sempre há um motivo
Para não se sentir bom o bastante,
E é difícil no fim do dia.
Eu preciso de alguma distração.
Oh, perfeita liberação
A lembrança vaza de minhas veias...
Deixe-me vazia
E sem peso e talvez
Eu encontrarei alguma paz esta noite.

Nos braços de um anjo,
Voe para longe daqui,
Deste escuro e frio quarto de hotel
E da imensidão que você teme.
Você é arrancado das ruínas
De seu devaneio silencioso.
Você está nos braços de um anjo,
Que você encontre algum conforto lá.

Tão cansado de seguir em frente,
E para todo lugar que você se vira
Existem abutres e ladrões nas suas costas,
E a tempestade continua se retorcendo.
Você continua construindo a mentira
Que você inventa para tudo que lhe falta
Não faz nenhuma diferença
Escapar uma última vez.
É mais fácil acreditar nesta doce loucura, oh
Esta gloriosa tristeza que me faz reconhecer a derrota.

Nos braços de um anjo,
Voe para longe daqui,
Deste escuro e frio quarto de hotel
E da imensidão que você teme.
Você é arrancado das ruínas
De seu devaneio silencioso.
Você está nos braços de um anjo,
Que você encontre algum conforto lá
Você está nos braços de um anjo.
Que você encontre algum conforto aí.

Thursday, August 10, 2006

Sou barro !















Voltarei ao pó.

Wednesday, August 02, 2006

Deus bailarino.

O Deus bailarino
(Ed René Kivitz)

Quem acredita num mundo onde cada ser e cada relação é singular não consegue se submeter a esquemas, não confia em métodos nem se impressiona com estatísticas

O que acreditamos a respeito de uma coisa determina a maneira como nos relacionamos com ela. Eu, por exemplo, gosto de brincar com cachorros, mas se percebo que um cachorro é bravo, fico longe dele; mas se é brincalhão, chego perto. Assim é também com o mundo. Antigamente, acreditava-se que o mundo era uma estrutura hierarquizada, sempre do mais complexo ou poderoso para o mais simples ou fraco, sendo que Deus ocupava o topo da pirâmide. O imaginário das pessoas era construído a partir das relações entre reis e súditos, senhores e escravos, generais e soldados, e assim por diante. Cada um tinha seu papel e quase todo mundo se respeitava. Naquela época, a Igreja tinha autoridade, e quem não concordava com o que ela dizia morria na fogueira - mesmo que essa Igreja dissesse que índios e escravos não tinham alma e que o sol girava ao redor da Terra.

Quem acredita numa realidade estruturada a partir de autoridade e poder acha que a fé em Deus resolve tudo; afinal de contas, “agindo Deus, quem impedirá?”. Basta orar com fé e esperar a cura, a prosperidade, a volta do marido, a libertação do filho, enfim, a solução de qualquer problema. Deus manda, o resto obedece. Tudo quanto se tem a fazer é aprender os truques para fazer Deus mandar exatamente o que a gente quer que ele mande. Surgem então as correntes de fé e as ofertas compensadoras da falta de fé, e, principalmente, os gurus que sabem manipular Deus em favor de quem paga bem. Feitiçaria pura.

Copérnico, Galileu, Newton, Einstein e sua teorias científicas fizeram com que o mundo passasse a ser visto como uma máquina, ou como um relógio, sendo Deus o relojoeiro. Neste mundo-máquina, tudo pode ser decodificado, explicado e controlado. As coisas funcionam em relações de causa e efeito previsíveis, como por exemplo as estações do ano, as fases da lua, os movimentos das marés, a órbita dos planetas e os eclipses solares. No dia-a-dia, estas relações também são previsíveis: a partir de informações sobre massa, força, aceleração e direção, sabemos calcular em quanto tempo o carro vai se chocar contra o poste, ou qual bolinha vai acertar a amarela e qual delas vai cair na caçapa.

No mundo-máquina é possível também consertar quase tudo. Quando seu microondas pára de funcionar, basta chamar um técnico e ele vai dizer qual peça deverá ser substituída. O problema é que quem acredita que o mundo funciona assim acaba extrapolando isso para todas as suas relações: o casamento quebrou? Seu filho está dando trabalho? A vida não está funcionando? Então, basta chamar o especialista. Quase tudo tem conserto e pode voltar a funcionar como antes. Mais do que isso, se é verdade que as relações de causa e efeito obedecem precisão matemática, basta apertar o botão certo que as coisas acontecem. Quer fazer discípulos? Quer fazer a igreja crescer? Quer evitar problemas na família? Quer garantir uma boa carreira profissional? Então, basta fazer o curso certo, encontrar o método indicado, seguir as regras apropriadas. Logo, “A” sempre conduz a “B”. Caso você faça “A” e o resultado não seja “B”, então você pensa que fez “A”, mas não fez. O mundo-máquina é assim: tudo sempre funciona direitinho – você é que nem sempre funciona.

Desta compreensão é que surgem o fenomenal ministério para fazer a igreja funcionar com propósitos; a estratégia de sete passos para fazer o ministério ser relevante; as quatro leis espirituais para ganhar a vida eterna; as técnicas de ministração para libertação espiritual e cura interior; os grupos de 12 para fazer o rebanho se multiplicar. É apostila para tudo quanto é coisa, curso para tudo quanto é treco e guru especialista para tudo quanto é tranqueira. Quase todos bem intencionados, mas geralmente funcionando como se o mundo fosse mesmo uma máquina.

Mais recentemente apareceram no cenário algumas teorias elaboradas a partir de outras percepções das ciências da física e da biologia. Na mecânica quântica, os movimentos não são tão previsíveis quanto na mecânica newtoniana. Então, o mundo já não é uma hierarquia nem uma máquina, mas um organismo vivo. As palavras mais adequadas para descrever a realidade são “teia”, “rede”, “arena”, e até mesmo “dança”. A realidade é complexa e os fenômenos naturais e sociais não são previsíveis nem manipuláveis. As pessoas são singulares. Basta verificar que dez pessoas que ganham na loteria reagem de dez maneiras diferentes. Os relacionamentos também são singulares. Dez casais que ganham um filho reagem de dez maneiras diferentes. Da mesma forma, dez igrejas que iniciam um projeto reagem de dez maneiras diferentes. Seres vivos não são padronizáveis. Eles não obedecem relações exatas de causa e efeito. Seres vivos não são coisas. E a vida não é exata.

Quem acredita no mundo como um ser vivo onde cada ser e cada relação é singular, não consegue se submeter a esquemas, não tem a pretensão de gerenciar pessoas, não confia em métodos e nem se impressiona com números, estatísticas e probabilidades. Prefere outros caminhos. Escolhe o caminho da intimidade com o outro; encanta-se com o mistério do sagrado; maravilha-se com a diversidade; presta atenção no jovem em conflito; ouve os dramas do homem que não pára em emprego; fica em silêncio diante da dor e se ajoelha para orar antes de dar um passo sequer em qualquer direção. Esses não se dão muito bem com o Deus-general, ou o Deus-relojoeiro. Curtem mais o Deus-bailarino.

- Colaboração do Joel C. Azevedo