Friday, August 25, 2006

Metade.

Metade
(Oswaldo Montenegro)

Que a força do medo que tenho,
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito,
não me tape os ouvidos e a boca,
pois metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe,
seja linda, ainda que tristeza.
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada,
mesmo que distante;
porque metade de mim é partida
e a outra metade é saudade.
Que as palavras que falo,
não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor;
apenas respeitadas como a única coisa
que resta à um homem inundado de sentimento;
porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora,
se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corrói por dentro,
seja um dia recompensada;
porque metade de mim é o que penso,
e a outra metade um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste,
que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
que me lembro ter dado na infância;
porque metade de mim é a lembrança do que fui,
e a outra metade não sei.
Que não seja preciso mais que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito,
e que o teu silêncio me fale cada vez mais,
porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba,
e que ninguém a tente complicar,
pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer;
porque metade de mim é platéia,
e a outra metade é a canção.
E que a minha loucura seja perdoada,
porque metade de mim é amor,
e a outra metade também.

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