Monday, February 12, 2007

Quem diria...

Eduardo e Mônica
Legião Urbana - Renato Russo

Quem um dia irá dizer que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer
Que não existe razão?

Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque
Noutro canto da cidade
Como eles disseram

Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer
E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer
Um carinha do cursinho do Eduardo que disse
- Tem uma festa legal e a gente quer se divertir
Festa estranha, com gente esquisita
- Eu não tou legal, não agüento mais birita
E a Mônica riu e quis saber um pouco mais
Sobre o boyzinho que tentava impressionar
E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa
- É quase duas, eu vou me ferrar

Eduardo e Mônica trocaram telefone
Depois telefonaram e decidiram se encontrar
O Eduardo sugeriu uma lanchonete
Mas a Mônica queria ver o filme do Godard
Se encontraram então no parque da cidade
A Mônica de moto e o Eduardo de camelo
O Eduardo achou estranho e melhor não comentar
Mas a menina tinha tinta no cabelo

Eduardo e Mônica eram nada parecidos
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês
Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus
De Van Gogh e dos Mutantes
Do Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol-de-botão com seu avô
Ela falava coisas sobre o Planalto Central
Também magia e meditação
E o Eduardo ainda estava
No esquema "escola, cinema, clube, televisão"

E, mesmo com tudo diferente
Veio neles, de repente
Uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia
E a vontade crescia
Como tinha de ser

Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia
Teatro, artesanato e foram viajar
A Mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar
Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer
E decidiu trabalhar
E ela se formou no mesmo mês
Que ele passou no vestibular
E os dois comemoraram juntos
E também brigaram juntos, muitas vezes depois
E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa
Que nem feijão com arroz

Construíram uma casa uns dois anos atrás
Mais ou menos quando os gêmeos vieram
Batalharam grana e seguraram legal
A barra mais pesada que tiveram

Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília
E a nossa amizade dá saudade no verão
Só que nessas férias não vão viajar
Porque o filhinho do Eduardo
Tá de recuperação

E quem um dia irá dizer que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer
Que não existe razão?

Sunday, February 04, 2007

Um certo alguém.

Um certo alguém
(Lulu Santos)

Quis evitar teus olhos
Mas não pude reagir...
Fico à vontade, então.
Acho que é bobagem
A mania de fingir
Negando a intenção (faça não)...

Quando um certo alguém
Cruzou o teu caminho
E te mudou a direção...

Chego a ficar sem jeito
Mas não deixo de seguir
A tua aparição...

Quando um certo alguém
Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar...

Me dê a mão, vem ser a minha estrela,
Complicação tão fácil de entender...
Vamos dançar, luzir a madrugada
Inspiração pra tudo que eu viver...

Saturday, February 03, 2007

Recrie-se

LEI 25 - RECRIE-SE

Não aceite os papéis que a sociedade lhe impinge. Recrie-se forjando uma nova identidade, uma que chame atenção e não canse a platéia. Seja senhor da sua própria imagem, em vez de deixar que os outros a definam para você.
Incorpore artifícios dramáticos aos gestos e ações públicas – seu poder se fortalecerá e sua personagem parecerá maior do que a realidade.

Compreenda isto: o mundo quer lhe atribuir um papel na vida. E no momento em que você aceitar este papel, estará perdido. O seu poder se limita apenas àquela minúscula porção consignada ao papel que você escolheu ou foi forçado a assumir. Um ator, pelo contrário, representa vários papéis. Goze deste poder multiforme, mas se isso não for possível, forje pelo menos uma nova identidade, criada por você mesmo, sem os limites definidos por um mundo invejoso e ressentido.

A sua nova identidade o protegerá do mundo exatamente porque não é “você”; é uma roupa que você veste e depois tira. Não precisa levar as coisas para o lado pessoal. E a sua nova identidade o distinguirá, lhe dará uma presença dramática. Quem estiver lá na última fila poderá ver e ouvir você. Os da primeira fila ficarão maravilhados com a sua ousadia. A personalidade que lhe parece inata não é necessariamente você. Além das características herdadas, seus pais, amigos e colegas ajudaram a moldá-la. A tarefa prometéica do poderoso é a de assumir o controle do processo, não deixar mais que os outros tenham essa capacidade de limitá-la e moldá-la. Recrie-se como um personagem de poder.

Esculpir você mesmo em um bloco de argila deve ser uma das tarefas mais importantes e agradáveis da sua vida. Faz de você basicamente um artista — um artista criando a si próprio.

De fato, a idéia da autocriação vem do mundo artístico. Durante milhares de anos, só os reis e o mais altos cortesãos eram livres para moldar a sua imagem pública e determinar a sua própria identidade, Da mesma forma, só os reis e os senhores mais ricos podiam contemplar a sua própria imagem na arte, e conscientemente alterá-la. O resto da humanidade representava um papel restrito exigido pela sociedade, e tinha pouca consciência de si mesma.

O primeiro passo no processo da autocriação é a autoconsciência — o estar consciente de si mesmo como ator e assumir o controle da sua aparência e das suas emoções. Como disse Diderot, o mau ator é aquele que é sempre sincero.

As pessoas que estão sempre expondo a todos o que sentem são aborrecidas e constrangedoras. Apesar da sua sinceridade, é difícil levá-las a sério. Quem chora em público pode temporariamente despertar simpatia, mas a obsessividade dessas pessoas transforma logo a simpatia em desdém e irritação — elas choram para chamar atenção, é o que achamos, e um lado malicioso em nós não quer lhes dar essa satisfação.

Os bons atores se controlam mais. Eles podem fingir sinceridade e franqueza, podem simular uma lágrima e um ar compassivo se quiserem, mas não precisam sentir isso. Eles exteriorizam emoções de uma forma que os outros possam compreender. Representar segundo o Método é fatal no mundo real. Nenhum governante ou líder seria capaz de representar esse papel se todas as emoções mostradas tivessem de ser reais. Portanto, aprenda a se controlar. Adote a plasticidade do ator, que consegue expressar no rosto as emoções necessárias.

O segundo passo no processo da autocriação é uma variedade da estratégia de George Sand: a criação de uma personagem memorável, que chame atenção, que se erga acima dos outros atores no palco. Este era o jogo de Abraham Lincoln. O homem simples, do campo, era um tipo de presidente que a América nunca tinha tido mas que ficaria encantada em eleger. Embora muitas destas qualidades lhe fossem naturais, ele as representava — o chapéu, as roupas, a barba. (Nenhum presidente antes dele usou barba.) Lincoln também foi o primeiro presidente a usar fotografias para divulgar a sua imagem, ajudando a criar o ícone do “presidente simples”.

O bom drama, entretanto, requer mais do que uma aparência interessante, ou um único momento em evidência. O drama acontece ao longo do tempo — é um evento que se desdobra. O ritmo e o tempo são críticos. Um dos elementos mais importantes no ritmo do drama é o suspense. Houdini, por exemplo, às vezes era capaz de escapar em questão de segundos — mas prolongava o ato para deixar a platéia aflita.

A chave para manter a platéia sentada na beira da poltrona é deixar que os acontecimentos se desenrolem lentamente, depois acelerá-los no momento certo, de acordo com um plano e um andamento que é você quem controla.

Os grandes governantes, de Napoleão a Mao Tsé-tung, usaram o ritmo dramático para surpreender e distrair seu público.

Franklin Delano Roosevelt compreendeu a importância de encenar eventos políticos numa ordem e num ritmo particular.
Durante as eleições presidenciais de 1932, os Estados Unidos estavam passando por uma crise econômica muito difícil. Os bancos faliam numa velocidade alarmante. Logo depois de ganhar as eleições, Roosevelt entrou numa espécie de recesso. Não falou nada sobre seus planos ou indicações para o ministério. Até se recusou a se encontrar com o então presidente, Herbert Hoover, para discutir a transição. Quando
Roosevelt tomou posse, o país se encontrava num estado de grande ansiedade.

No seu discurso, Roosevelt mudou de marcha. Falou com energia, esclarecendo que pretendia conduzir o país por uma direção totalmente nova, abandonando a timidez dos seus antecessores. A partir daí seus discursos e suas decisões públicas — indicações para ministérios, leis audaciosas — adquiriram um ritmo incrivelmente veloz. O período que se seguiu à posse ficou conhecido como os ‘Cem Dias”, e o sucesso na mudança de estado de espírito do país se originou da esperteza e do uso do contraste dramático de Roosevelt. Ele mantinha a sua platéia em suspenso, e impressionava com uma série de gestos corajosos que pareciam ainda mais imponentes porque não se sabia de onde vinham. Você precisa aprender a orquestrar assim os acontecimentos, sem mostrar todas as suas cartas de uma só vez, mas revelando-as aos poucos para dar mais dramaticidade.

Além de disfarçar inúmeros pecados, o bom drama pode também confundir e enganar o seu inimigo.
Você deve também avaliar a importância das entradas e saídas de cena. Quando Cleópatra foi conhecer César, no Egito, chegou enrolada num tapete que mandou desenrolar aos seus pés. George Washington duas vezes deixou o poder com floreios e fanfarras (primeiro como general, depois como o presidente que se recusou a concorrer a um terceiro mandato), mostrando que sabia dar importância ao momento, dramática e simbolicamente. Você deve ter o mesmo cuidado ao planejar as suas próprias entradas e saídas de cena.

Lembre-se de que exagerar na representação pode ser contraproducente — é outra forma de se esforçar demais para chamar atenção. O ator Richard Burton descobriu, logo no início da sua carreira, que ficando totalmente parado em cena fazia as pessoas olharem para ele e não para os outros atores. O importante não é tanto o que você faz, nitidamente, mas como você faz — a sua imobilidade graciosa e imponente no palco social conta mais do que o exagero na representação e nos movimentos.

Finalmente: aprenda a representar muitos papéis, a ser aquilo que a ocasião exige. Adapte a sua máscara à situação — tenha múltiplas faces. Bismarck era excelente neste jogo: com os liberais ele era liberal, com os agressivos ele era agressivo. Ninguém conseguia agarrá-lo, e o que não se agarra não se consome.

Saiba como ser todas as coisas para todos os homens. Um Proteus discreto — um erudito entre eruditos, um santo entre santos. Essa é a arte de conquistar todos, pois os iguais se atraem. Registre os temperamentos das pessoas que você conhece e se adapte a cada um deles —passe de sério a jovial, mudando de humor discretamente.
Baltasar Gracián, 1601-1658

Socialmente não se comenta que um homem é um grande ator? Não se está dizendo que ele sente, mas que é ótimo simulador, embora não sinta nada.
Denis Diderot, 1713-1784
I
NVERSO
Não pode haver o inverso para essa lei tão importante: mau teatro é mau teatro. Até para parecer natural é preciso ter arte — em outras palavras, representar. A canastrice só cria constrangimento. É claro que você não deve ser dramático demais — evite os gestos histriônicos. Mas isso é simplesmente mau teatro, já que desrespeita normas teatrais
centenárias contra o exagero na representação. Em essência, o inverso não existe para esta lei.

(Greene - As 48 Leis do Poder)

Thursday, February 01, 2007

Conhece a ti mesmo.


Quero viver.

Quero viver.
(Ricardo Gondim)

Quero viver sem as exigências religiosas que não consideram que sou pó. Não aceito mais que continuem demonizando minhas inadequações; não admito que tentem me oprimir com culpas legalistas. Estou, a duras penas, me construindo, portanto, não me submeterei a pedradas. Tento, Deus sabe como, ser sensível à voz do Nazareno e não tolero gritos demagógicos de falsos santos, que procuram mostrar ao mundo o que nunca foram.

Quero viver sem as cobranças impiedosas de quem só deseja me usar. Não, não pemitirei amizades pontuais e interesseiras. Decidi não mais conviver com colegas que cobram a correção dogmática de seus pares. Quero ser livre para pensar e não escandalizar, sonhar e não constranger, rir e não decepcionar, chorar e não entristecer. Para mim, chega de ambientes ajeitadinhos. Não quero ser hipócrita para só mostrar minha vida ou família através de fotografias, em que todos posam sorrindo.

Quero viver sem discursos idealizados. Não quero papagaiar conceitos e verdades tirados de livros teológicos, mas que não têm liga nenhuma com o drama humano. Chega de sermões recheados de jargões, que impressionam pela euforia, mas não significam coisa nenhuma na hora em que uma família tem que esperar no corredor da Unidade de Tratamento Intensivo ou retorna do cemitério. Recuso continuar promovendo ambientes religiosos emocionantes, restritos a momentos esporádicos. Não quero voltar para casa em paz e, cinicamente, abandonar os que me ouviram à dureza da vida.

Quero viver sem a obrigatoriedade de manter-me sempre coerente, grave, e acima de tudo, correto em minhas inquietações existenciais, filosóficas ou espirituais. Não quero continuar me conformando às expectativas dos fariseus de plantão. Não temerei os cenhos franzidos dos doutores da lei, que conhecem a raiz grega de cada palavra da Bíblia, mas são indiferentes ao sofrimento das multidões; prefiro caminhar ao lado de pecadores aos ambientes asfixiantes dos fundamentalistas, onde as opiniões são tão fortes que não se toleram contradições.

Quero viver sem medo de rótulos. Quero carregar a memória do meu pai, que foi preso político, mas nunca cedeu em suas convicções, mesmo sob as ameaças da ditadura militar. Ele não escondeu seu socialismo quando isso significava receber o estigma de subversivo e terrorista.

Quero viver parecido com Jesus, meu grande herói. Ele foi livre, descompromissado com as instituições e amigo de marginalizados. Quero seguir seus passos ainda que incoerente, claudicante, perplexo ou apavorado.

Sei que essa aventura me consumirá pelo resto de minha vida, mas é o que quero.

Soli Deo Gloria.

Dimensões Simultâneas.

Dimensões simultâneas.
(Dietrich Bonhoeffer)

Aos poucos a gente aprende a distanciar-se interiormente das ameaças à vida, ou melhor, 'distanciar-se', soa negativo demais, formal demais, artifícial demais, estóico demais; na verdade, o mais correto é dizer que a gente integra as ameaças diárias na totalidade da sua vida.

...há muito poucas pessoas que conseguem abrigar diversas coisas ao mesmo tempo dentro de si; quando vêm os bombardeiros, elas são só medo; quando há algo bom para comer, são só avidez; quando algum desejo é frustrado, são só desespero; quando alguma coisa dá certo, não vêem mais outra coisa.

Elas passam ao largo da plenitude da vida e da integralidade de sua existência própria; tudo que é objetivo e subjetivo desfaz-se em fragmentos.

O cristianismo, em contrapartida, coloca-nos em diversas dimensões da vida simultaneamente; abrigamos, por assim dizer, Deus e o mundo inteiro dentro de nós.

Choramos com os que choram e, ao mesmo tempo, alegramo-nos com os alegres.

Uma paz diferente.

Mário Quintana e uma paz diferente.
(Mário Quintana)

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto !

Van Gogh (1853-1890)