Saturday, October 07, 2006

Prefiro o equívoco.

Apesar de todo o estardalhaço que se faz no mundo a respeito de opiniões equivocadas, sou obrigado a fazer essa correção a respeito da humanidade, dizendo que não existem tantos homens enganados e opiniões erradas quanto se costuma supor. Não que eu creia que a maioria abrace a verdade; digo isso porque a respeito das doutrinas que defendem com tanto zelo eles não nutrem qualquer opinião, não dedicaram qualquer reflexão.

Pois se alguém se propusesse a catequizar um pouco que fosse a maior parte dos partidários da maior parte das facções do mundo, acabaria descobrindo que eles não têm opinião própria a respeito das questões que tão ardentemente defendem; teria menos razão ainda para crer que eles julgaram sua responsabilidade examinar os argumentos e pesar a probabilidade da doutrina que abraçam. Essa gente está determinada a apegar-se à facção a que foram engrenados pela educação ou pelo interesse; e ali, como soldados do mesmo exército, demonstram sua coragem e entusiasmo na medida em que são conduzidos pelos seus líderes, sem jamais chegarem a examinar ou a sequer refletir a respeito da causa pela qual lutam.

Basta para ele obedecer a seus líderes.
Se a vida de um homem demonstra que ele não nutre interesse sério por religião, o que deveria levar-nos a pensar que ele quebra a cabeça a respeito das opiniões da igreja ou preocupa-se em examinar os fundamentos desta ou daquela doutrina? Basta para ele obedecer a seus líderes, ter língua e mão prontas para apoiar a causa comum, e manter-se dessa forma aprovado diante dos que podem fornecer a ele crédito, preferência ou proteção dentro daquela sociedade. Dessa forma os homens tornam-se professores e combatentes em favor de opiniões a respeito da qual nunca foram convencidos e que nunca abraçaram de fato; opiniões que não chegaram nem de longe a passar-lhes pela cabeça.

Embora não se possa dizer que existam menos opiniões equivocadas e improváveis do que comumente se julga, é certo que um número menor de pessoas de fato abraçaram-nas e confundem-nas com a verdade.

(John Locke, Essay Concerning Human Understanding -1689)

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