Friday, November 24, 2006

O tempo.

O tempo.
(Ricardo Gondim)

Ainda engatinho com Jorge Luis Borges. Paulo Brabo com seu imperdível “Bacia das Almas” me despertou para sua grandeza no panteão dos gênios da palavra.

A vida de Borges, com todas suas dores e alegrias, perplexidade aliada à angústia poética, é verdadeiramente fascinante. Venho devorando alguns de seus textos e, para meu desespero, percebo como minha erudição é rudimentar. Não passo de um pequeno burguês metido a intelectual, do tipo que come mortadela e arrota lagosta cearense.

Suas considerações em “O tempo” me fascinaram; e mesmo depois de ruminar bovinamente o que li, continuo intrigado.

Borges gostava de repetir a metáfora de Heráclito de que ninguém entra no mesmo rio duas vezes. Em primeiro lugar, porque, pela própria natureza do rio, suas águas fluem. E, segundo, porque “isto é algo que nos toca metafisicamente, que nos causa como que um princípio de horror sagrado –, porque nós mesmos somos também um rio, nós também somos oscilantes”. O rio chamado tempo escorre e nós mudamos.

Nada é mais intrigante ou mais apavorante do que nossa humana percepção do tempo. Ele é fugaz e passa – passa, e nós, frágeis passarinhos, passamos juntos. O tempo é tão arisco que nunca permite que o presente exista. Borges afirmou que o presente “é o momento que contém um pouco de passado e um pouco de futuro”. De fato, o presente é um nano instante em que o futuro improvável se petrifica em passado. O presente se torna a proximidade máxima do infinito – sempre ao alcance, mas sempre por vir. Portanto o futuro, que não existe como realidade, no instante em que se concretiza, já desaparece em um passado que também não é real, pois se desfaz e só pode voltar em forma de memória, recordação.

Para Borges, que parece concordar com Agostinho, “os primeiros versículos do Gênesis referem-se não apenas à criação do mundo, à criação dos mares, da terra, da escuridão, da luz, mas também ao princípio do tempo. Não houve um tempo anterior: o mundo começou a ser com o tempo, a partir daí tudo é sucessivo”.

Jamais entenderemos todas as implicações do tempo. Por que ele acumula poeira nas prateleiras de nossa existência? Por que lápides de granito se esfarinham nos antigos cemitérios? Sem saber o que dizer, continuo angustiado, só que agora (agora? quando?) reparto meu desespero com Borges:

“A idéia do futuro viria a justificar aquela antiga idéia de Platão, de que o tempo é a imagem móvel do eterno. Se o tempo é a imagem do eterno, o futuro viria a ser o movimento da alma rumo ao futuro. O futuro seria, por sua vez, a volta ao eterno. Quer dizer, nossa vida é uma contínua agonia. Ao dizer ‘Morro a cada dia’, São Paulo não desejou expressar-se de forma patética. A verdade é que morremos a cada dia e nascemos a cada dia. Estamos continuamente nascendo e morrendo. Por isso o problema do tempo nos toca mais que os outros problemas metafísicos. Porque os outros são abstratos. O do tempo é nosso problema. Quem sou eu? Quem é cada um de nós? Quem somos? Talvez o saibamos algum dia. Talvez não. Nesse meio tempo, entretanto, como dizia Santo Agostinho, minha alma arde, porque quero saber”.

Soli Deo Gloria.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home